Este local é, com certeza, dedicado aos 90% do meu cérebro que não tenho certeza de para que servem... Entre um cigarro e outro, entre o dia e a noite, nas beiradas de um talvez qualquer, fico gastando palavras, me espreguiçando nas frases, me escondendo entre as reticências...
Ao leitor deixo o agradecimento pelas palavras que eu não disse, mas que, ainda assim, acabaram por ser ouvidas...


quinta-feira, 29 de novembro de 2012

VIOLÃO

O texto foi inspirado em minha audição do Duo Assad, no concerto realizado em novembro/2012, no Teatro Municipal da Terrinha. A ilustração é do artista Hugo Urlacher.

Meus olhos estão presos nas mãos que te dedilham as cordas... mãos que arrancam de ti sons preciosos... mãos que te afagam e que de longe derrubam em mim as muralhas do desencanto...
E o teu som me fere, rasga-me a carne triste, enluara-me o espirito e estraçalha-me o coração... Sou presa do teu momento, cativa das tuas horas...
Ofereces-te a mim, que não te mereço por certo: há quando te entendo e admiro a miríade de tuas notas, há quando ignoro-te trancando-me nos vales profundos da escuridão que não habitas...
Sou simples ouvinte, desconhecendo teus caprichos e a grandeza de teus esforços. Ouço-te apenas.
E se me levas por caminhos plácidos e me mostras teus paraísos perfumados, também me atiras nos tormentosos labirintos de tuas inquietudes... São tantas as tuas faces, infinitas as tuas surpresas...
Não ouso seguir-te os passos pois que temo a tua recusa...
Desperta-me sonhos pungentes e desejos lascivos... arrasta-me indefesa para além dos meus limites...
Me permites o desentendimento, o caos, a loucura... me permites a insanidade e os desejos confusos e os murmúrios roucos...
Me perco de amores por aqueles que arrancam de ti a fantasia, que transmutam flores secas em vidas nacaradas...
E quando te calas, quando tua última nota reverbera majestosa no ar, quedo-me vencida por tua beleza, recolho-me, sem palvras que te façam justiça, sem elogios que serão pequenos diante de tua grandeza... Apercebo-me, extenuada, esvaziada de significados, no silêncio onde se deita o meu grande amor por ti... 

sábado, 23 de junho de 2012

Slow, sabática, zen...

Fui acelerada a vida toda... melhor dizendo, cronometrada. Por mim mesma na verdade... Tudo saia tão a contento, havia uma perfeição brilhante, um tipico sorriso colgate no meu dia a dia...
Fui tão sem reticências, tão sem pó, tão sem à fazer, tão sem pendências... Haviam os perfumes certos, os momentos adequados, as surpresas planejadas. Pois é, surpresas planejadas, alguém já ouviu falar disso? (risos). Foi assim, exatamente assim, que conheci o requinte, a finesse, a elegância gelada, invejada e o vácuo asséptico das horas completas. Vivenciei, do alto dos meus trinta anos, o reino a parte da mulher realizada... Mas hoje eu chego aos cinquenta anos e o bom gosto não me satisfaz, os bons modos não me seduzem, a adequação já não me é conveniente... Hoje a desaceleração pede passagem, o zen me deixa enamorada... Hoje sou sabática de mim mesma, me dou férias permanentes, visitando muito ocasionalmente aquela que aprendi a ser... Percebi que há uma distância enorme entre aquela que aprendi a ser e aquela que sou, que sempre fui na verdade... Carrego comigo a mulher inventada, eternizada nos porta retratos, e muito devagar, esticando as horas, me permito a existência imperfeita.

domingo, 1 de abril de 2012

Mentira nossa de cada dia...

Pois é, pois não é que é? Hoje é dia dela!!!
Embora leve nomes muitas vezes ofensivos, a verdade, sua eterna inimiga, há de concordar que essa dama de mil faces se trata, infindáveis vezes, de um mal necessário...
A dama das sarjetas, do inescrupuloso, aquela que causa antagonismos, cuja perfeição das formas é invejável...
Há que se aplaudir a imensidão de seu alcance, o poder de sua presença, a magia de suas construções impecáveis...
Rotulada como terrível, nefasta, asquerosa, entre tantos outros predicados, carrega em seu bojo mundos de compaixão, riso fresco, gritos roucos...
Mundana, secular, essa filha de um anjo caido (mas ainda assim anjo) fecha as portas de sua casa ao grotesco, ao doloroso, ao feio, à angustia, à mesquinharia... Seu reino é de alegria, fartura, brilho... Seu colorido é vibrante...
E na fluidez vertiginosa da vida nem sempre me dobro ao preto e branco, posto que também há insídia e maldade nas verdades cruas tanto quanto paz e compaixão nas mentiras deslavadas...
Também não me proponho à escolha de verdades insípidas a empurrar dias e dias de desbotamento, numa existência desprovida de encantamentos. Não descarto o uso de suas máscaras afim de suavizar os estragos indesculpáveis da verdade...
Curvo-me, portanto, à necessidade de sua existência e rendo-lhe as homenagens devidas, sem o ranço de uma culpa perfeitamente dispensável...